Sinopse: Em Lázaro em trânsito, personagens de distintos lugares do Brasil vivenciam o amor, o poder, a vida e a morte na esfera tensiva entre o real, o fantástico e o absurdo. Em O jardim, dona Rancor tenta vislumbrar por que é incapaz de fazer suas plantas florescerem; em Condomínio poliamor, um excêntrico casal apresenta a seu hóspede os benefícios do amor livre para a redução do aluguel; já em Dieta infinita, uma comediante de sucesso relata um tratamento de choque feito na juventude para emagrecer e ser aceita na mídia. E no conto-título, o narrador, vítima da violência policial, busca compreender seu propósito ao descobrir que não está morto – nem vivo. As histórias de Lázaro em trânsito apresentam um olhar crítico e irônico sobre as relações humanas no mundo neoliberal e contemporâneo.
 
Leia um trecho do conto Lázaro em trânsito:
 
LÁZARO EM TRÂNSITO
 
“A sua grande obra foi continuar levantando, dia após dia. 
Apesar de tudo, você continuou desafiando a possibilidade de morrer”
(O avesso da pele, Jeferson Tenório)
 
 
"É como se depois do fim houvesse ainda a meia-vida: um filamento de consciência lampeja, brilha (pude sentir a eletricidade percorrer o corpo inteiro, do local onde furou a bala até os nervos por trás dos olhos). Pensei que o apagão fosse geral e imediato - ainda mais em morte de bala, morte à queima roupa, como dizem, como nas execuções dos filmes, em que o corpo cai imediato. Mas não. Houve ainda o sobressalto dessa consciência pairando em mim no pós-tiro, uma fração de segundo em que ainda pude pensar em minha mãe, no jogo do Vasco, no pão da padaria, em Cecília me esperando em frente ao parque no domingo próximo, e só então eu desabei. Ah, desabar, verbo bonito, como fosse o contrário de abar, "haver", numa outra língua. Então eu desabei, deixei de aber, de haver, fui outra coisa. E era assim, então, a morte. E mesmo desabado, o corpo inerte, e aos poucos a sensação da vida se esvaindo em leve cadência não me fez ter a certeza de que estava morto. Talvez porque não fosse, eu, um morto como os outros, e, nesse caso, só posso mesmo narrar a minha experiência. De morte, afinal, sei pouco. Sei muito do trânsito, mas da morte não sei tudo."